quarta-feira, 7 de outubro de 2009

A IMPORTÂNCIA DOS CANTOS E DAS LETRAS NAS MANIFESTAÇÕES CULTURAIS DOS AFRODESCENDÊNTES

Este artigo pretende discutir teoricamente a importância do canto e das letras nas manifestações culturais afrodescendentes, tendo como objeto de pesquisa, a manifestação do Congado mineiro na festa de Nossa Senhora do Rosário em Contagem na comunidade dos Arturos. Além disso, torna-se importante também; descrever historicamente como se constituiu a comunidade dos Arturos , os mecanismos de resistência cultural que esta comunidade estabeleceu e estabelece, para a manutenção da tradição familiar e a fé em Nossa Senhora do Rosário, mãe e defensora do povo negro.

“A fé é muito importante na vida da pessoa, quem tem cresce, quem não tem fé, não respeita os outros.Teve fazendeiro que ia se acabando,se agarrou a ela, e ficou bom.Outro fez promessa, não cumpriu e as coisas ruins acabaram voltando.Nós já vimos muitos milagres”.
Mario Braz da Luz

A origem dos Arturos provém da união de Camilo Silvério com Felisbina Rita Cândida.
De acordo com a pesquisa de Gomes & Pereira (1988), Camilo Silvério teria chegado em Minas gerais como escravo no terceiro quartel do século XIX. Sobre Felisbina Rita Cândida pouco se sabe de sua origem , mas sua influência permanece na memória afetiva dos Arturos. A partir do filho deste casal, Arthur Camilo Sivério, é que têm a formação da comunidade. Sendo Arthur Camilo Silvério a figura central e simbólica, afetiva e de força religiosa que manteve seus descendentes na herança negro-africana.

“ A figura do pai encarnou o simbolismo da unidade ,filtrado através da religião.Arthur Camilo remete a lembrança para os ancestrais que são o arcabouço mantenedor da vitalidade dos Arturos Contemporâneos.” (GOMES; PEREIRA,1988,p.119)

Ele trabalhou nas fazendas de grandes senhores que dominaram o município de Contagem. Sofreu moral e fisicamente nas mãos dos senhores. Após a abolição, comprou o pedaço de terra onde a comunidade vive até hoje, em Contagem. Localizado no centro industrial de Contagem, mesmo com a influência da modernidade que os envolve,os Arturos conseguem manter as raízes culturais,ainda que exista influências dos valores novos com os valores e saberes antigos, dados pela cosmo visão africana. Estes elementos são reforçados pelos laços de família que são intensos, as festas religiosas, a propriedade que é coletiva e a estruturação de uma Irmandade. A origem familiar da comunidade data nos primeiros anos do século XX. A identidade da comunidade está ligada ao Congado, manifestação dos negros e seus descendentes no Brasil, e especialmente em Minas Gerais. Esta tradição têm uma íntima ligação com a África mãe. O congado é fruto daquilo que os estudiosos de cultura chamam de produto híbrido. Nele vemos elementos da África, da Península Ibérica e manifestações que só existem no Brasil, estas também resultantes de vários processos de hibridação.
O Congado é formado por três elementos,de acordo com Camara Cascudo: Coroação dos reis congos; préstitos e embaixadas; danças guerreiras comemorativas.
O Reinado é um dos componentes do congado, onde acontece a coroação dos reis e à constituição de uma corte. Em Minas ficou muito difundido pela constituição de Confrarias, havendo eleições para reis e outras funções que se regulamentavam através de compromissos. Em Minas Gerais ficou marcado a forte presença do Catolicismo de Confraria, com a forte atuação das Irmandades do Rosário. No caso dos Arturos a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário se compõe das guardas de Congo e as guardas de Moçambique do Reinado e da parte administrativa da associação (presidente,vice presidente, primeiro secretário, segundo secretário, tesoureiro primeiro e segundo e capitão –mor).
A coroação dos Reis Congos vem de uma prática antiga nos primórdios do século XVII, onde os negros coroavam seus reis como forma de manutenção de uma organização social que visava manter uma liderança que intermediasse a vinculação com o sagrado. Foi aceito pela Coroa portuguesa e pela Igreja Católica para que se pudesse manter a ordem, o controle dos escravos.

As embaixadas são de acordo com Gomes & Pereira(1988) ,lutas de poder entre os lideres das diversas guardas de Congado, cada embaixador, líder da guarda ,disputa para demonstrar a força do grupo,são duelos verbais acompanhados de linguagem gestual e movimentos, dando vitória ao grupo que melhor representasse , a nível mítico, a devoção a Senhora do Rosário ou aos Santos Pretos, Benedito e Efigênia.
Os bailados guerreiros são comemorações de vitória ou pedidos de intersecessão das forças cósmicas ,são ofertas dirigidas às divindades. Rememoram a ancestrais como a Rainha Ginga e a Chico-Rei que foram símbolos de resistência negra contra a opressão e domínio dos portugueses.
Para os Arturos a festa do Rosário é uma das celebrações mais importantes para vida da comunidade, fazem parte do Reinado de Nossa Senhora do Rosário as guardas de Congo e as guardas de Moçambique. A origem destas guardas têem uma fundamentação mítica, função, vestuário, símbolos condutores, instrumentos distintos, tipo de movimento e de dança e linguagem dos cantos que as diferenciam.
A origem do Congado vem do processo de evangelização na África quando foi introduzida a imagem de Nossa Senhora do Rosário pelos missionários Dominicanos A Fundamentação mítica diz que as guardas de Congo e as guardas de Moçambique representados pelos negros escravos retiram uma imagem de Nossa Senhora das águas.A guarda do Congo sendo a guarda mais jovem,vai abeira da praia com seus tambores e cantos e tenta retirar a imagem que faz um movimento mas não se consegue retirá-la. Aguarda de Moçambique que representa os mais antigos,com seus cantos mágicos, pediram proteção à Santa ,que veio ao seu encontro até chegar a praia.
Em relação aos cantos, sua estruturação e motivos percebemos: No Congo, a estrutura do canto é mais fixa,descrevendo aspectos da vida mais recente do grupo,bem como o seu cotidiano, as alegrias e tristezas. Já no Moçambique, os cantos se referem ao passado distante, mítico, mágico, trazendo a memória dos ancestrais, memórias de Àfrica, utilizando dos recursos de improvisação na formulação dos cantos, bem como da criatividade do capitão que verbaliza o canto.
Na expressão musical dos cantos são re-elaborados os laços com a concepção e procedimentos musicais africanos.A importância e significado ritual da música e sua letra, têem também funções de caráter pedagógico para os membros mais jovens da comunidade.A música assim demonstrada através do canto, traduz essa cosmo-visão, evocando o passado e ao mesmo tempo, em uma relação dialética participando dos processos de transformação dados pelo momento atual vivenciados pelos membros da comunidade dos Arturos.
Podemos perceber então, como a música expressada nas letras dos cânticos,constituem como um dos elementos de reafirmação cultural, resistência dos Arturos ,frente aos desafios dados pela modernidade. Os cânticos estão presentes em todas as situações do cotidiano e principalmente nas festas religiosas . Cantar e dançar são para os Arturos um dever, um trabalho, uma promessa que os antepassados ensinaram, fenômeno de resistência , força ,sobrevivência da cultura negra.O encontro da dor e da alegria na festividade são pólos dialéticos.O cantar se expressa nesta dialética de se sofrer e de se alegrar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COMUNIDADE dos Arturos, preserva a tradição. Dois Pontos, v.2,n12,abr 1992.
p.60-61.

GOMES,Núbia Pereira de M.;PEREIRA,Edimilson de Almeida.Negras raizes mineiras: os Arturos.Universidade Federal de Juiz de Fora,1988.

MARTINS,Leda Maria. Afrografias da Memória: O Reinado do Rosário do Jatobá.
São Paulo: Mazza Edições,1997.

PEREIRA,Edimilson de Almeida.Educação em festas populares.Presença Pedagógica, v.9,n51,mai /jun .2003.










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